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O português e o espanhol na ciência

Qual é o futuro do espanhol e do português como línguas da ciência? Embora mais de 850 milhões de pessoas em quatro continentes falem português ou espanhol – 11% da população mundial – apenas 1% da produção científica indexada globalmente é publicada nestas duas línguas. Além disso, 97% dos cientistas portugueses, 88% dos cientistas mexicanos e brasileiros, 87% dos cientistas espanhóis e 80% dos cientistas colombianos, argentinos ou peruanos publicam em inglês.

Quando, há algum tempo, investigadores da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) e do Instituto Real Elcano começaram a conceber este relatório sobre a diversidade linguística na ciência, a questão que estávamos a tentar responder ia para além da mera estatística. Todos nós intuímos que a hegemonia do inglês como língua veículo de ciência é esmagadora: 95% do trabalho científico do mundo é escrito em inglês.

Mas também todos sabemos que é precisamente esta externalidade da rede do inglês derivada do estatuto do inglês como língua franca do conhecimento que favorece os avanços do conhecimento baseado no método científico.

É por isso que este relatório não propõe erguer barreiras que protejam as nossas línguas e balcanizem geograficamente as disciplinas científicas, mas, pelo contrário, políticas ativas para remover os obstáculos que impedem todos os membros da sociedade de aceder ao conhecimento.

Lamento protecionista à parte, este Relatório levanta questões com subtis dimensões culturais, económicas, políticas e morais capazes de condicionar os futuros possíveis das nossas sociedades.

Os economistas sabem que nada é grátis. Certamente não o é a produção científica. Gerar conhecimento é dispendioso, requer formação de capital humano, criação de laboratórios, mecanismos de recolha de dados, criação de infraestruturas de cooperação e divulgação e, acima de tudo, requer tempo. Muito tempo. Se acrescentarmos a tudo isto o facto de que o conhecimento tem muitas das características dos bens públicos, podemos compreender melhor porque é que os Governos da maioria dos países do mundo disponibilizam recursos para financiar a investigação científica e o desenvolvimento.

No entanto, o dinheiro dos impostos de todos os cidadãos destina-se a pagar o trabalho dos cientistas que, para continuarem a progredir nos seus campos, devem publicar nas melhores revistas, a maioria das quais são propriedade de um pequeno número de grupos editoriais. Publicar nestas revistas não é apenas uma questão de colaboração científica global, mas de estatuto e de incentivos. O potencial risco é que também possa ser um mecanismo de segregação e homogeneização de possíveis visões do mundo. Em suma, pode ter a consequência não intencional de empobrecer a diversidade científica e cultural.

Há também uma dimensão política e social que não se pode perder de vista: os grupos editoriais das revistas mais conceituadas para permitir o acesso aos seus trabalhos cobram elevadas – por vezes exorbitantes – somas aos sistemas nacionais. Em certa medida, para os contribuintes, os frutos dos seus impostos estão por detrás da Paywall.

A proposta do Relatório é avançar para um sistema aberto de acesso ao conhecimento apoiado por políticas de promoção da diversidade linguística. Tornar todo o conhecimento produzido pelas instituições públicas disponível nas suas próprias línguas é um desafio formidável e uma dificuldade económica evidente numa região onde o investimento na ciência ainda é insuficiente. Mas o esforço é essencial. Se há 150 anos atrás cometemos um erro como sociedade com “deixa-os inventar!”, agora não devemos persistir no erro com “deixa-os publicar! Deixa-os ler! O conhecimento deve ser de todos e para todos.

José Juan Ruiz

Presidente do Real Instituto Elcano

Este trabalho resulta do Acordo de Colaboração entre a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI) e o Real Instituto Elcano. Pode descarregar o pdf aqui.

O português e o espanhol na ciência: notas para um conhecimento diverso e acessível

Ángel Badillo (2022)

Ángel Badillo Matos é Investigador Principal na área da Língua e Cultura Espanhola no Real Instituto Elcano (desde 2013), investigador no Instituto de Iberoamérica da Universidade de Salamanca (desde 2005) e professor catedrático no Departamento de Sociologia e Comunicação da Universidade de Salamanca (desde 2007), onde orientou várias teses de doutoramento no âmbito do programa “Governação Global e Estado de Direito”. No Instituto de Iberoamérica, ocupou vários cargos de gestão. Doutor e Mestre pela Universidade Autónoma de Barcelona, foi também professor na Syracuse University, lecionou em vários programas de mestrado e doutoramento e co-dirigiu o MBA em Instituições e Empresas Culturais na Santillana Formación (Grupo Prisa). Foi investigador convidado nas Universidades de Paris 8 e 13, Université de Québec em Montréal (UQàM, Canadá), University of Southern California (EUA), UNAM (México), ou Universidad Nacional de Quilmes (Argentina), entre outras, e trabalhou como consultor para instituições públicas e privadas como a Freedom House. Foi presidente da União Latina de Economia Política de Informação, Comunicação e Cultura (ULEPICC) e diretor da secção de Políticas e Estrutura da Comunicação da Associação Espanhola de Investigação da Comunicação (AE-IC). Desde 2013 é Investigador Principal do Real Instituto Elcano, reconhecido como o mais importante grupo de reflexão de Espanha, e um dos mais relevantes da União Europeia nos principais índices internacionais.

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